Como Manter a Saúde Mental das Crianças e suas Famílias na Quarentena

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Sônia das Dores Rodrigues, psicopedagoga e psicomotricista, vice-presidente da ABENEPI – Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins

Nos últimos dias o Novo Coronavirus (ou COVID-19) tem sido assunto recorrente nos meios de comunicação, redes sociais e rodas de conversa (que são cada vez mais escassas). A rotina, que antes era previsível, de repente ficou conturbada e tem afetado a todos, inclusive crianças e adolescentes.

O isolamento social, orientação principal do Ministério da Saúde para minimizar o avanço da transmissão do vírus, está levando ao fechamento gradativo de empresas, comércios, clubes e instituições escolares.  Assim, repentinamente os pais estão com seus filhos em casa e não sabem o que fazer para mantê-las ocupadas.

Diante dessa demanda, têm surgido nas redes sociais sugestões de atividades, normalmente lúdicas e prazerosas, para entretê-las. Apesar das atividades de lazer serem importantes e necessárias, principalmente num momento delicado como este, considera-se que as crianças e adolescentes devem compreender que não são férias este período forçado de recesso escolar e, sendo assim, a manutenção da rotina de estudos deve, dentro do possível, ser mantida em casa.

Parte das escolas têm visão semelhante e estão elaborando junto com sua equipe atividades acadêmicas variadas, que visam consolidar os conhecimentos já adquiridos e/ou introduzir novos, tal qual ocorreria se estivessem no contexto escolar.

Os meios utilizados para tal vão desde práticas tradicionais (tais como textos informativos e narrativos, exercícios, trabalhos de pesquisa e literatura), até o ensino à distância (EAD) em plataformas de ensino específicas.

Independente do meio utilizado, aos pais cabe o direcionamento e a manutenção da disciplina dos escolares, de modo que façam uso adequado de suas funções executivas (FE). Planejamento, flexibilidade cognitiva, monitoramento e regulação da aprendizagem são habilidades necessárias à consolidação do aprendizado no contexto escolar. No ensino à distância estas são ainda mais necessárias, razão pela qual as FE devem fazer parte das estratégias de ensino a serem adotadas pelas escolas neste momento incomum.

Do ponto de vista prático, sugere-se que no período em que permanecerão em casa os pais estabeleçam e mantenham uma rotina diária, tal qual ocorreria se as crianças estivessem na escola, principalmente no que diz respeito à manutenção dos horários de sono, alimentação, descanso, realização das atividades escolares (EAD ou não) e lazer.

À escola cabe o monitoramento das atividades de estudo realizadas à distância, de modo que possam avaliar a efetividade do aprendizado do aluno e, sempre que necessário, substituir e/ou introduzir novas atividades de ensino. 

Ressalta-se que parte das escolas estão optando pela interrupção das aulas e posterior reposição das mesmas. Sendo assim, não veem necessidade de enviar qualquer tipo de atividade acadêmica formal para ser realizada em casa. Mesmo nestas situações, considera-se importante que os pais mantenham a rotina e estimulem seus filhos a realizar atividades acadêmicas (leitura, escrita, habilidade matemática, dentre outras), com o intuito de estimular ou consolidar os conhecimentos que estavam em desenvolvimento na escola. Nas séries iniciais de ensino, fase de alfabetização, tal conduta é ainda mais importante.

Nos momentos em que permanecerão com atividades livres, pode-se planejar atividades diversificadas, que tenham como objetivos a interação social, convívio familiar e reforço de habilidades cognitivas. Algumas sugestões são dadas a seguir.

Jogos: além de prazerosos e possibilitar a interação familiar, estes podem estimular funções corticais superiores importantes para o aprendizado global, tais como atenção, memória, funções executivas, afetividade, emoção e percepção. Existe no mercado diversas opções para todas as faixas etárias. Embora a preferência atual seja pelos jogos computadorizados, o resgate de jogos tradicionais pode ser divertido e possibilitar novas experiências às crianças e adolescentes.

Brincadeiras criativas: Massinhas, desenhos, pinturas (com lápis, tinta, giz de cera) e criação de variados jogos simbólicos, com o manuseio de materiais de diferentes texturas, são excelentes para o divertimento e desenvolvimento infantil. Os pais, então, devem abusar dos mesmos.

Leitura prazerosa: Estimular o hábito de leitura é tarefa dos pais. No entanto, atenção especial deve ser dada ao nível de dificuldade, faixa etária e etapa de escolarização dos filhos. Ressalta-se que, para que seja prazerosa, o leitor deve ter participação ativa na escolha do livro.

Cozinhar em família: além de divertido e introduzir conceitos relativos à responsabilidade no universo familiar, aprender e/ou auxiliar os pais a cozinharem estimula habilidades variadas relativas à leitura, interpretação de texto e aquisição de conceitos matemáticos. Nesse sentido, devem ser sempre estimuladas.

Filmes, vídeos e séries: este é sem dúvida um dos passatempos preferidos de crianças e adolescentes. Os pais, no entanto, devem monitorar este tipo de atividade, atentando-se para o tempo dispendido à mesma e para o tipo de produção que os filhos estão assistindo.

Atividades ao ar livre: pelo menos uma vez ao dia deve se oportunizar o desenvolvimento de atividades motoras ao ar livre, tais como andar de bicicleta, correr, saltar, caminhar, etc. Tão importante quanto atividades cognitivas direcionadas, estas são de extrema importância para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Interação social: Crianças e adolescentes estão acostumadas a viver em um ambiente social e o isolamento repentino pode ocasionar estresse ou outros comprometimentos psicológicos. Sendo assim, os pais devem permitir que seus filhos interajam e troquem experiências com seus pares, mesmo que à distância. A depender da idade, as redes sociais são um excelente recurso para tal, desde que devidamente monitorado pelos adultos. Além disso, o tempo dispendido nas mesmas não pode ser excessivo e não deve comprometer as atividades de estudo.

Por fim, é importante ter em mente que, se o momento atual é estressante para os adultos, é ainda mais difícil para crianças e adolescentes. Como seu sistema cognitivo e emocional não está plenamente desenvolvido, a maneira pela qual enfrentarão o problema dependerá em grande parte da conduta e manejo dos pais. A depender do tempo e da extensão do isolamento social, conflitos variados no contexto familiar podem surgir. Paciência e clareza de pensamento certamente auxiliarão os pais a contornarem as situações difíceis. Se necessário, deve-se procurar auxílio junto aos profissionais da saúde e educação, que lidam com a problemática da infância e adolescência. A ABENEPI se coloca à disposição da sociedade para, junto com a mesma, propor iniciativas que auxiliem a superação das dificuldades decorrentes desta pandemia que afeta o mundo.